LETRAS
‘Ele
está no meio de nós’: um romance místico
Adelto Gonçalves (*)
I
Depois
de lançar ao final de 2017, o romance Tibete:
de quando você não quiser mais ser gente (Rio de Janeiro, Editora
Jaguatirica), o mais novo exemplo de um bildungsroman
na literatura brasileira, Silas Corrêa Leite retorna à cena literária com Ele está no meio de nós (Curitiba,
Kotter Editorial, 2018), que pode ser definido como um romance místico,
religioso ou ecumênico, o primeiro de uma anunciada trilogia e que começou a
ser escrito em 1998 e foi concluído em 2015.
Nos
últimos tempos, Silas Corrêa Leite (1952) lançou também Goto, a lenda do reino encantado do barqueiro noturno do Rio Itararé
(Florianópolis: Clube de Autores Editora), romance pós-moderno, considerado a
melhor obra do escritor, e Gute-Gute, barriga
experimental de repertório (Rio de Janeiro: Editora Autografia).
A
exemplo daqueles três romances que foram recebidos com boas críticas, Ele está no meio de nós não foge à regra
e ao estilo anárquico e demolidor do seu autor. Desta vez, porém, Silas Corrêa
Leite entra num campo místico, às vezes, e evangélico, outras vezes, narrando a história de um cidadão da mítica
cidade de Itararé, localizada na divisa entre os Estados de São Paulo e Paraná,
que ficou para a história como local de um episódio pitoresco da chamada
Revolução de 1930, quando Getúlio Vargas (1882-1954) partiu de trem de Porto
Alegre rumo ao Rio de Janeiro, então a capital federal, para empolgar o poder
político, num golpe de estado típico em que a nascente elite industrial
derrotou a decadente elite cafeicultora representada pelo presidente Washington
Luís (1869-1957) e alguns velhos oligarcas de São Paulo e Minas Gerais. E, não
por acaso, é também a cidade natal do autor.
II
O
romance narra as vicissitudes vividas por um cidadão pobre, renegado pelo pai
empresário rico da cidade de origem, que, depois de décadas de muito trabalho e
estudos na cidade de São Paulo, conseguiu subir na vida, tornando-se um new rich da chamada alta sociedade
paulistana. Apesar disso, Paulo de Tarso
Trigueiro, o filho renegado, conseguiu seguir os passos tortuosos do pai e
enriquecer, em meio a negócios nem sempre lícitos. Mas, um dia, o então chamado
doutor Paulo de Tarso, ao sair de um luxuoso jantar numa zona nobre da capital
paulista, tem uma visão que o faz descobrir que de pouco vale ajuntar tesouros
na Terra.
Ao contemplar do alto de um prédio os
periféricos cantões miseráveis da cidade, o empresário recupera a sensibilidade
sublimada com muito dinheiro acumulado de forma não necessariamente legal. E vê
a situação de degradação a que muitos foram relegados para que corruptos
pudessem usufruir a riqueza, através de negócios escusos, geralmente envolvendo
recursos públicos.
É
o que se pode constatar neste trecho de uma carta deixada pelo rico empresário
a um filho: “Nasci pobre filho bastardo
de pai rico que ignorou minha própria existência, lutei muito, trabalhei feito
um espeloteado, passei fome, vi minha mãe morrer com o pouco que eu lhe pudera
dar, no entanto, vim para Sampa e aqui carreguei meu fardo, combati o meu
combate, fiquei rico, casei bem, tive filhos maravilhosos, tinha status,
dinheiro, poder, força, a influência política, no entanto, NUNCA FUI FELIZ”
(p. 116).
Ferido
na alma, a personagem de Silas Corrêa Leite decide tomar uma decisão radical na
vida, disposto a largar tudo e doar o muito que tem aos fracos e oprimidos,
atendendo a uma máxima que Cristo preconizou nos Evangelhos, indo morar nas ruas
com os fracos e oprimidos, para assim tentar encontrar Deus e ser salvo.
Refugou a esposa, preparou os papéis legais para a nova vida, deixando a
empresa para os filhos e a herança para quem de direito, doando parte de sua
fortuna a casas de caridade. Como se tivesse sido exaltado por Cristo no
caminho de Damasco, o doutor Paulo viraria o irmão Saulo ou o beato Saulo, indo
morar nas ruas com os pobres, como forma de encontrar Deus.
III
Na
periferia e nos escombros da grande cidade de São Paulo, conhece também o mundo
do crime, o mundo-cão. “Também, ali num
ermo subterrâneo fétido, úmido e cheio de ratos de um canto na Avenida Paulista
com a Estação Paraíso do Metrô, havia um Banco de Sangue que supria – à custa
de doadores forçados (principalmente as instruídas vítimas do rol dos
miseráveis) – os bancos paulistas, brasileiros e mesmo latino-americanos,
pertencentes à chamada iniciativa privada. (...) Quando alguém morria por
seguidas doações – eles estimulavam quimicamente – eram simplesmente desossados
e os ossos vendidos como se de animais para fábricas de goma arábica, ou exportados”
(p. 128).
Adaptado
a sua nova vida, escreveria mais tarde a um dos filhos: “Não tenho que ouvir discursos pomposos, chatos, cheios de falsidade.
Não tenho que apertar a mão de um ladrão e chamá-lo de “colega” quando são
espertos e não experts, mesmo sabendo
do superfaturamento de obras, de obras públicas inúteis, de quadrilhas de
doutores, bacharéis, liberais e “autoridades” constituídas” (p. 118).
Por
depoimento do autor ao final do livro, o leitor vai descobrir também que a
história deste Paulo de Tarso moderno seria verídica, tendo o autor muito ouvido
falar dele em sua Itararé natal e, depois, procurado parentes da personagem,
que confirmariam muito do que ouvira, embora muitos tivessem preferido não se
identificar, bem como mendigos recuperados que teriam assegurado a veracidade
de muitos fatos. Além disso, teria localizado em Itararé os cadernos de
rascunhos, que reproduz no livro. “Não inventei nada, nem enfoque ideológico ou
religioso. Apenas formatei um relato do que de inteiro e crível entendi”,
garante o autor. Cabe agora ao leitor conhecer e avaliar este livro que
constitui um testemunho de esperança e fé na espécie humana, apesar de tudo.
IV
Silas Corrêa Leite é poeta,
romancista, letrista, professor, desenhista, jornalista, resenhista, ensaísta,
conselheiro diplomado em Direitos Humanos e membro da União Brasileira de
Escritores (UBE), além de blogueiro e ciberpoeta. É formado em Direito,
Geografia e cursou extensões e pós-graduações nas áreas de Educação, Filosofia,
Inteligência Emocional, Jornalismo Comunitário, Literatura na Comunicação,
entre outras.
Tem
mais de 20 livros publicados, entre os quais Porta-Lapsos (poemas) e Campo
de Trigo Com Corvos (contos). É autor ainda do primeiro livro interativo da
Internet, o e-book O rinoceronte de Clarice. Foi finalista
do Prêmio Telecom, Portugal.
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Ele está no meio de nós, de Silas Corrêa Leite. Curitiba:
Kotter Editorial (Sendas Edições), 208 páginas, 2018. E-mail da editora: contato@kotter.com.br
E-mail
do autor: poesilas@terra.com.br
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(*) Adelto Gonçalves é doutor em Letras na área de Literatura
Portuguesa pela Universidade de São Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do
Iluminismo (Rio de Janeiro,
Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil,
2002), Bocage – o Perfil Perdido
(Lisboa, Caminho, 2003), Tomás
Antônio Gonzaga (Imprensa Oficial do Estado de São Paulo/Academia Brasileira
de Letras, 2012), Direito e Justiça em Terras d´El-Rei na São Paulo Colonial
(Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2015) e Os Vira-latas da Madrugada (Rio de Janeiro, Livraria José Olympio
Editora, 1981; Taubaté-SP, Letra Selvagem, 2015), entre outros. E-mail:
marilizadelto@uol.com.br
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