“Gute Gute” – O Romance de Silas Corrêa Leite
Maria
Apparecida S. Coquemala
(maria-13@uol.com.br)
O romance Gute Gute
do nosso querido amigo, o famoso prosador e poeta itarareense Silas Corrêa
Leite, se constitui de relatos da vida de um bebê de altíssimo QI, no útero
materno, em fase final de gestação. E que relatos!... Que vidinha venturosa e
aventureira... Aventureira? Sei que vão estranhar, mas acreditem, assim viveu
esse guri no útero da mãe que o poeta chamou de troninho - onde ele se
aninhava, qual passarinho no ninho
agasalhante - até que chegasse a hora do parto, ou melhor, da partida para a
realidade aqui fora.
A
vida do guri não se limitava ao interior e exterior do útero na barriga
materna. Extrapolava, captando tanto o mundo físico como o psicológico das
gentes lá fora. Ou seja, as limitações impostas
pelas paredes uterinas não o impediam de ter contato com outros meninos e meninas
de outros úteros, inclusive no mundo virtual. E assim, além da permanente observação
do pai e da mãe, tinha grande variedade de amigos e amigas, até namoradinhas,
com quem se comunicava com graça e humor, não apenas através da vizinhança concreta das barrigas
grávidas da sua e das outras mães;
também por outros meios, como a Internet, quando as mesmas mães grávidas
se conectavam e o menino podia também se comunicar através das mesmas conexões.
Só mesmo a inexcedível criatividade do Silas para imaginar tal mundo.
E
a linguagem? Via de regra hilária, entre
os bebês comodamente instalados nos seus troninhos.
É mesmo para gargalhar. E quanta fofocas entre eles, quantos namoricos...
-
“Ei, encardida, você veio hoje, meu amor?”
-
“Ué, pensei que você tinha dado no pira, saído de circulação, tinha ido dar com os burros n’água...”
“-
“Que que é isso, companheira? Tô na água, mas não sou peixe. Tô crescidinho,
mas não morri aqui ainda para ir nascer do outro lado... Como é que estão as
coisas?”
“
A minha dona não está bem...”
“Como
assim? Se você morrer, eu te mato”.
Tais
diálogos podem acabar levando o leitor a imaginar-se naquele mundo em que esteve
também por meses, um mundo que suas lembranças já não alcançam, ou melhor, ele
pode pensar que não alcançam. Na verdade, são registros que não se apagam.
Admite-se hoje que o inconsciente é a parte da memória onde se situam esses
registros a que já não temos acesso, mas que podem gerar conflitos. Psicólogos
sabem como chegar até eles. E nossas lembranças bloqueadas, nosso substrato,
não seriam apenas as nossas lembranças, seriam também dos nossos antepassados
ao longo do tempo. Registros que se refletiriam nos sonhos. E poderiam comandar
nossa vida, dependendo da gravidade e da suscetibilidade de cada um de nós.
Voltando
ao menino, pouco do entorno físico ou do psicológico lhe escapava. O relacionamento entre o pai e a mãe, ora
sensível, terno, amoroso, ora tempestuoso não lhe passava despercebido entre os
flashes da vida deles se sucedendo. Amigos e namoradinhas uterinas dinamizavam-lhe o dia-a-dia até que chegou
a hora da partida para o enigma da realidade aqui fora, hora do parto,
ou da chegança, como diz o Silas.
Mas,
enfim tal momento foi chegando e...
“Toda
essa luz... isso não está me cheirando bem...”
“Não
sei quem sou agora - estou delirando ou não estou em mim? Mas eu sinto que
escolhi dentro do castelo do sonho do outro lado da vida, no Planeta Barriga,
entre as colmeias de mães...”
“Aquilo
que eu não sei é tudo que eu sei...”
Leiam
o livro. Vão divertir-se muito, comover-se também, pois o Silas sabe muito bem
como despertar o interesse e a emoção de seus leitores.
-0-
Maria
Apparecida S. Coquemala é professora de Língua e Literatura Portuguesa,
especializada em Linguística e pedagogia, formada pela PUC-Campinas. Como
professora e diretora, trabalhou em escolas públicas e particulares. Autora de poemas, crônicas e contos premiados
no Brasil e exterior. Escreve poemas, crônicas e contos. Já publicou entre outros Naná e o Beija-flor
(infantojuvenil), Círculo Vicioso, O Último Desejo e Além dos Sentidos
(crônicas e contos). Como coautora, está presente em mais de 90 antologias,
inclusive internacionais.
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