CANTEIROS
Currículo
Metapoético de Aprendiz de Plantador de Cenários Íntimos
Entre
livros nasci. Entre livros me criei.
Entre
livros me formei. Entre livros me tornei.
Enquanto
lia o livro, lia-me, a mim, o livro.
Hoje
não há como separar: O livro sou eu.
(Inajá
Martins de Almeida)
-Fui
engraxate em praça pública, meu primeiro trampo, família humilde, precisando
ajudar em casa
Desse
época só trago e tenho
As
mãos com nódoas de tintas de tanto envernizar e lustrar sandálias de andorinhas
peregrinas
-Fui
boia-fria nos campos verdes de minha terra-mãe, Itararé
Dessa
época de rudeza precoce só tenho
As
mãos calejadas de grãos e raízes, árvores e arames, e rios e nuvens
-Fui
vendedor de dolé de groselha preta
Hoje
só trago e tenho dessa época de pobrinho lutador
As
bijutelíricas da infância, que, afinal, foram, o meu maior tesouro
-Fui
vendedor de banana-caturra
Dessa
época de tristice e labuta trago e tenho e sou
As
pencas de lágrimas de meu coração vermelho
-Fui
vendedor de pipoca
Hoje
só trago e tenho e crio desde então
Os
piruás de tantas sofrências da vida de buscas e aprendizados
-Fui
vendedor de caldo de cana
Hoje
só trago e tenho e soo
O
açúcar cristal de minha alma de tangerina
Soando
numa taquara rachada com vestígios de ausências...
-Fui
locutor de radio aprovado em concurso
(E
era um adolescente que amava os Beatles e Tonico e Tinoco)
Dessa
época de principio de aprendizado artístico só trago e tenho e verto
As
palavras cênicas de sonora angústia-vívere que aprendi nos palcos mambembes e em
coxias sem spot-lights
Fui
cantor meia boca, calouro em shows da Jovem Guarda
Dessa
época só trago e tenho,
memórias
de botinhas sem meia, cabelos na testa, imitações de Roberto Carlos, o Rei
E
as canções que a juventude fez pra mim, sentado a beira do caminho
(E
as flores do jardim de nossa casa)
-Fui
cronista colunista do Jornal o Guarani de Itararé
Feito
um eterno aprendiz da alma humana
Dessa
época só trago e tenho e sou
Os
tipos, as boas impressões, os personagens de vidas, sofrências e injustiças
E
o tabuleiro das palavras, versos, mixórdias de alucilâminas e chuvas de
vírgulas e verbos
-Fui
aprendiz e auxiliar e assistente e depois chefe de departamento pessoal de
empresa
Dessa
época só trago além do cargo, as admissões e rescisões de contratos, e as
buscas por justiça
A
alma humana se relacionando - dentro da ótica capital-trabalho (e ainda a
mais-valia) - com outra alma humana...
-Depois
fui chefe de contencioso de área jurídica em empresa de advocacia
De
onde aprendi que a justiça é cega, tarda e falha, não me representava
E
que só é válida mesmo para quem tem calcanhares descalços
E
foi feita para proteger a elite de pústulas para continuar com lucros impunes, com
riquezas injustas, propriedades roubos,
e
a impunidade social da classe dominante
Então
não tinha nada a ver comigo, não me servia
Pois
sei de que origem sou e trago e tenho...
E
sei de panelas vazias, e luto contra as misérias estabelecidas
-Fui
finalmente reger aulas e me encontrei como ser e como humano,
como
profissional, como cidadão com fito ético-plural comunitário
Crianças,
jovens - sequelas de injustiças sociais e impunidades históricas
E
assim me fui plantador de sonhos, semeador de esperanças, tiofessor, pai
postiço, referencial
E
ator, cantor, pintor, lustrador - dentro de aulas vivas
Entre
baladas, historias em quadrinhos e o palco iluminado de semeaduras didáticas
diferenciadas
Que
acabei adorando ser maestro-docente e professor com poemas e letras de músicas
e bagagens de escrevivências letrais de percurso evolutivo
Que
me fui feliz, a partir de tudo que aprendi no currículo da pratica vivenciada
de uma estrada de tijolos amarelos
-Hoje,
depois de décadas, e de tanto dar aulas, fiquei doente, fui corrompido pela
máquina da sobrevivência possível até o estertor
Fui
largado num silo-hangar de uma sala de leitura de uma escola pública de
comunidade carente, afastado... professor...
-E
readaptado como docente e pelo sistema. E aleijado pela docência acumulada; e
desvalorizado em Sampa, Samparaguai, o neoliberal estado-máfia, por fim
Estou
lotado numa biblioteca de uma escola, e assim
Depois
de tantas lutas, cursos, diplomas, livros, currículo de vida e luta e amor...
Entre
chuvas, lágrimas, ou suor, força, luta, obra e fé
De
sonhos e esperanças ainda um plantador
Feito
finalmente um Gepeto, um Peter Pan, um Robinson Crusoé
Longe
da minha Terra do Nunca, Pasárgada, Shangri-lá, Itararé
Resto-me
ainda poeta, escritor
Numa
biblioteca. E entre livros, como minha vida feito um romance, finalmente estou
preso em mim.
-0-
Silas Corrêa Leite, Professor, Jornalista Comunitário, diplomado Conselheiro em
Direitos Humanos, Blogueiro e escritor premiado membro da UBE-União Brasileira
de Escritores.
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