Resenha Critica
AS CRÔNICAS MAVIOSAS DE ANDRE LUIZ LEITE DA SILVA DE ITARARÉ
“Não é no conhecimento que está o fruto,
é na arte de apreendê-lo” - São
Bernardo
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-Pensar filosoficamente, em tese, pode implicar em compreender as
coisas, aqui e ali, de um modo geral, a princípio, por assim dizer, caótico
(para os gregos, o caos consistia no abismo profundo, anterior a todo
ordenamento), numa contínua busca de tentar compreender a realidade não como
algo dado, pronto e resolvido, mas como algo a ser concebido. Com suporte
narrativo nesses questionamentos desde o tear criativo inicial, o autor,
querido amigo de infância, André Luiz Leite da Silva, servidor público na área
de segurança pública (e, portanto, vivenciando a dura realidade de sequelas
sociais perigritantes), e graduado em Filosofia, viaja textualmente na busca de
tentar compreender e se inserir no pensamento contemporâneo do “humanus”,
nesses tenebrosos tempos do politicamente correto, dentro do que poderíamos
nominar de uma corrente filosófica humanista (depois do fim das chamadas
utopias), e, porque não dizer, neoexistencialista, apontando crônicas pontuais
e datadas que nos fazem pensar o sentir, sentir o pensar, refletir e avaliar o
problematizado mundo pós-moderno, da individualidade sistematizada em cada um
por si e salve-se quem puder, de infovias efêmeras, portanto, André Luiz, no
escrever contextualiza assim o próprio pensar e o próprio sentir de uma maneira
bem perspicaz, crítica, mas consistente e principalmente com belo vezo
humanista, sintetizando em graciosa prosa poética até, o que pensa e sente a
partir de leituras, observações, compreensões, acima e sobre todas as coisas
tentando compreender a própria alma humana, mais do que ela compreende a si
mesma. A vida é uma mentira na qual a civilização entre a Barbie e a barbárie
ainda não tem consciência? Periga ver.
-Escrevendo o livro “...EU VEJO VOCÊ”, seleta de crônicas, não dá
respostas, antes, aponta novos questionamentos contundentes. Não responde a
perguntas, antes, implica em novas indagações no contexto do que narra. Não tem
e nem traz verdades perfeitas, plenas e acabadas, em absoluto, mas, de per-si
fere a própria pele nos perguntamentos cruciais. Parafraseando Benjamin, Peter
Paul Pelbart dizia que não deveríamos nos deixar embalar por um determinismo tão
apocalíptico quando complacente, mas que era “preciso escrever-se esse presente
a contrapelo, e examinarmos as novas possibilidades de reversão vital que
anunciam esse contexto”(...). O que é o conhecimento? O que é a realidade
emergente? Qual o sentido da existência propriamente dita? Escovando os
subterrâneos da consciência social, tentamos redescobrir o próprio encanto de
perceber os moinhos e as pedras rolantes da vida, tentando compreendê-la e também
como são as coisas, ou ainda não são... Ferreira Gullar cantava: “Uma parte de
mim é permanente(...)/Outra parte/Linguagem...” (Traduzir-se). Existir, à que
será que se destina, cantava Caetano Veloso. E ele mesmo, numa balada seguinte
se respondia, na sua liberdade criativa: “Cada um sabe a dor e a delícia/De ser
o que é...”. Escrever (criar) é isso: dar testemunho de visões de apuramentos
interiores, buscas espirituais, a razão e a irrazão nas fermentações, com
olhares viçados sobre o incompreensível. Na vida somos todos passageiros de
angustias e resignações sublimadas? A verdadeira consciência é ser percebedor
do mundo, no caso, percebedor imaginante, pensante, atuante. Filosofar é ser
amante da sabedoria, e criar conceitos novos é o objetivo da filosofia, porque,
segundo Aldous Huxley (in, Admirável Mundo Novo), a finalidade de todo
condicionamento é fazer as pessoas amarem o destino social de que não podem
escapar, e, falando sério, muitos ainda adoram regras, normas, redis, refis,
currais, manadas, conceitos dinossáuricos e até mesmo religiões, como uma
espécie assim de adestramento nas suas fantasias mal resolvidas, nas
frustrações, neuras, irrealizações e incompletudes. A inquietude é a falsa
medida de todas as coisas não compreendidas, e as sequelas disso inumanam o quase
possível humano em nós? Ah as reservas de algum gomo neural selvagem dentro de
nós, entre nós... A bem dizer, poderíamos citar o poema:
-“O rebanho trafega com tranquilidade o caminho: /é sempre uma surpresa
ao rebanho que ele chegue/ao campo ou ao matadouro. /Nenhuma raiva /nenhuma
esperança o rebanho leva, /pouco importa que a flor sucumba aos cascos /ou
ainda que sobreviva. /Nenhuma pergunta o rebanho não diz: /até na sede ele é
tranquilo /até na guerra ele é mudo - /o rebanho não pronuncia,/usa a luz mas
nunca explica a sua falta /usa o alimento sem nunca se perguntar./Sobre o
rebanho o sexo/que ele nunca explicava/e as fêmeas cobertas /recebem a
fecundidade sem admiração. /A morte ele desconhece e a sua vida,/no rebanho não
há companheiros /há cada corpo em si sem lucidez alguma(...)/O rebanho não vê a
cara dos homens /aceita o caminho e vai escorrendo/num andar pesado sobre os
campos”. (O REBANHO E O HOMEM, José Carlos Capinan).
-Em belas crônicas, de questionamentos intermitentes, tácitos ou contundentes,
André Luiz revela a própria alma inquisidora, no contexto das inquietudes da
vida e da sociedade hipócrita, tentando significar para si a razão de ser, de
estar e de permanecer no mundo, e assim, de modo sutil ou irônico narra,
tripudia, detona, questiona, implica e escreve sobre a sua compreensão dessa
espécie no sublimado caos querendo organizar tudo, e relata as próprias
relações da vida, e suas impurezas, de purgações a sentimentos de viver isso
tudo, e, mais, sobreviver para fazer-se humanus entre pouco humanus ou
pseudohumanus. Há olhos de ver e olhos de enxergar, diz o sofista. Ver e sentir
pesam olhares sobre clarificações. Pensar o ver, pensar o sentir apurado,
sensível, deu nisso. Crônicas de um tempo, de um lugar, dentro de um mundo que,
quer queiram, quer não, ainda é um ponto de interrogação à beira do abismo. O
ser humano? Bem, essa é questão, o ser e o não-ser, parafraseando Shakespeare. Monteiro
Lobato dizia que o homem é a pior poluição do planeta terra, porque é uma poluição
inteligente. A melhor filosofia é ser feliz? Ou a melhor filosofia é colocar o
dedo na ferida disso tudo, feito uma antena da época, como preconizou Rimbaud?
-A vida também pode ser a arte do encanto de pensá-la, senti-la, nutrí-la
de beleza e principalmente questioná-la a partir daqueles que têm uma opinião
formada sobre tudo (Raul Seixas). Talvez, mas só talvez, então devamos num
primeiro momento buscar a agregação para diálogos, o deguste zen-boêmico,
seguindo as leis de Baco, nos posicionando em relação a tudo isso,
trocadilhando o poeta roqueiro Renato Russo, sentenciando que, sim, “é preciso
amar as pessoas/Como se não houvesse Wifi”(...). Perguntas nos trazem respostas
com brumas, e depois outras novas perguntas,
assim, escrever não deixa de ser a filosofia de pensar a própria busca
de nós conosco mesmo, nesses tempos que, sedentários e consumidores em
potencial, não podemos deixar a comodidade, a insensibilidade e a paranoia
continuarem vencendo. Resistir é preciso. Escrevendo que seja. E escrever é
como acender fósforos, como pertencer-se a uma tribo na senda cósmica que acaba
por fim sendo uma trincheira de resistência em assentos de refinamentos
íntimos, nessa peregrinação que nunca acaba em nós, mas mostram almas vivas em
jornadas espirituais, de, sim, tentar compreender a vida, o mundo, a civilização,
a raça humana, ô raça! Leia e veja-se, pois, afinal, está escrito: “As batalhas
nunca se ganham. Nem sequer são travadas. O campo da batalha só revela ao homem
a sua própria loucura e desespero, e a história não é mais do que uma ilusão de
filósofos e loucos”(William Faulkner, In, O Som e a Fúria).
Silas Correa Leite
O autor, ciberpoeta,
blogueiro e professor, escreveu “O Reino do Barqueiro Noturno do Rio Itararé”, Romance,
Editora Clube de Autores. Site: www.portas-lapsos.zip.net
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