Outro Almanaque de Natal – Silas e Suas “Siladas”
ULTIMO NATAL (Então, Não é Natal)
-É Natal?
Não há sino pequenino
nem presépios elétricos
Nem corais, nem
amigos secretos
Nem consumismo, nem
comércio
Resta morta toda a
humanidade
DEUS
No píncaro da glória
de seu potentado em celestidade
Olha Jesuscristinho
ao seu lado e tem dó
São Eles só
Os dois
Os anjos foram cantar
hosanas e aleluias noutra freguesia
Da terra já não há
mais nada do que antes havia
O mundo acabou
Aquela porcaria
O criador que tudo vê
e tudo sofre, e tudo sente, de novo, outra vez
Vai tentar do
recomeço
Com mais prudência,
adereço, justiça e sensatez...
-É Natal?
Não há ouro, incenso
e mirra; não há mais ninguém
Da civilização humana
nada mais resta
Nem comércio e nem
consumo
Nem pannetone ou
arroz de festa
DEUS
Do píncaro da gloria
de seu potentado supracelestial
Arrependeu-se do que
criou. E tanto mal...
O livre arbítrio
O sitio
Daquilo que gerou.
(Esse livre arbítrio
Que não valeu nada)
E Ele ali mal se
cabendo em si como se numa encruzilhada
Restam escombros
Pós-selvageria
Das atônitas
explosões das bombas da água, do lixo, da fome
Que mataram o homem
Em suas vilezas de
historiais escombros...
(Então não é Natal
Menos mal)
Não há nada para ser
comemorado e ponto final.
-0-
Continho
Lurdes Pobrinha da
Silva
Lurdinha queria ver o
Papa.
O dia inteiro o papo
aranha no rádio, na televisão, nas contações das beatas da periferia abandonada
e carente, entre becos, cortiços, guetos, palafitas e a enorme favela Ordem e
Progresso no Morro do Querosene, a acontecência ‘da hora’ era sobre o Papa que
estaria vindo visitar o Brasil.
Lurdinha, coitadinha,
deficiente física e mental, olhos cheios de remela, pobrinha e agregada de um
barraco onde se restava meio que largada, desesperada e carente sonhava em ver
o Papa. Passaram-se meses, sem esperança e sem cuidados, ela ficou com aquilo
na cabeça.
Quando era pertinho
do Natal, certa manhã radiante, o quarto amontoado em que mal e porcamente fora
alojada entre trastes velhos feito um antro de despejo, se iluminou. E ela viu
entrar um belo e sorridente jovem, barbudo, cabeludo, que lhe estendeu os
braços largos e disse com maviosa voz:
-Olá Lurdinha, eu sou
Jesus!
Lurdinha ficou
desenxabida, coitada.
Ela queria ver o
Papa.
-0-
Cântico de Itararé
Itararé
Será que vivendo tão
distante de ti
Estou realmente
existindo direito?
Longe de casa eu
lutei, eu sofri
E te trago encantada,
dentro do peito
Itararé
Valeu a pena o que
distante vivi
Tão longe desse
encantário, teu chão?
(Só que o caminho da
volta não esqueci
E te levo ninhal,
dentro do coração)
Itararé
Ao lembrar dessa
terra a minh´alma ri
(Hoje só a saudade já
não satisfaz)
Ah Itararé como eu te
relembro, guri
A lua entre estrelas,
sobre os pinheirais
Itararé
Espero um dia
retornar para aí
O poeta andorinha
exilada vai voltar
Em teu solo meu corpo
vão plantar
Quanto, então, também
serei parte de ti!
-0-
Natal de Pobre
Boneca velha suja
entre sabujos
Boneca de um braço só
e lá,
jogada no lixo entre
bulbos
Da periferia S/A
Criança carente de
cara séria
Humilde simples,
tristinha
Resgata a pobre
boneca sujinha
Na sua realidade de
miséria
Corre a menina parda
com sua cruz
De olhos pobrinhos
com remela
Com aquela boneca
vestida com panos ruins
Exatamente como ela
-É Natal, é Natal de
Jesus!
Diz a criança, pobre
assim
-Vejam o meu
brinquedo que já
Papai Noel do céu
mandou pra mim
............................................................
(Deus, no médio céu
de horizonte externamente grená
Chora uma lágrima
carmim)
-0-
Presépio de Pobre
Todo mundo tinha
presépio
Na ruela onde
morávamos
Eram elétricos,
coloridos
Mais que o primeiro
Natal
Cada presépio
encantado
Muito mais que o de
Belém
Cada jardim era um
luxo
De cores e de
pirilâmpadas
Como éramos
pobrezinhos
E mal tínhamos o que
comer
Imagine ter um
presépio
Com tantos pertences
caros
Meu pai andava doente
Minha mãe lavava no
tanque
As tristezas que a
gente
Fazia omelete de
lágrimas
Mas éramos bem
criativos
Eu e as minhas irmãs
E montávamos do nosso
jeito
Um presepinho bem
humilde
As paredes eram de
tacos
O telhado todo de
cascas
De laranjas e de
cepilhos
E a tez chão,
macadame
Os burrinhos eram
sabugos
As vaquinhas de
limões
Ovelhinhas sabão de
cinzas
Estrela tampinha de
crush
Maria era bem
torneada
Entre pinhas e resinas
E São José eu
inventava
Numa caixinha de
fósforo
A manjedoura era
apenas
Uma lata velha de
sardinha
Com pétalas, flor de
lágrimas
Alguns carunchos de
feijão
Só o enviado de Deus
O divinal
Jesuscristinho
Era um belo
carretelzinho
De linha, que eu esculpia
Eu o ornava bem
feitinho
Com muito amor e
carinho
Fazendo um menino
triste
A nos olhar sem
milagre
E como éramos
pobrinhos
Ali já dávamos,
tristinhos
Ao bentinho, do
presépio
A nossa coroa de
espinhos
-0-
FELIA NATAL, FELIZ
TUDO EM DEZEMRO, FELIZ 2016
Silas Correa Leite –E-mail: poesilas@terra.com.br
In, Livro de SILAS, Dezembro 2015
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