Poema
de Natal 2012
“Infância,
Canto e Dor”
Para
Fatoumata Diawara (Cantora Malinesa)
Escrevo porque
tenho a necessidade de cantar.
Entre os beduínos,
o homem que conduz os camelos, quando está só no deserto,
Ele canta. Eu estou
lá.
Eu estou só e canto
sobre a vida, sobre mim.
Outros vão escutar
e, talvez, cantar também...
(Poeta Árabe Khalid
Al-Maaly)
Começaste
a cantar nas ruas, para recolher migalhas
Para
colocar comida em casa – Eras uma criança
Cantavas
em casamentos, batizados, becos de sombras, pontas de ruas, e dizias:
-Gente,
eu Canto porque tenho fome...
Perdoem
se meu canto é rude e primário e amargo e triste.
Se
minha dor entrar em transe, e meu canto for melancólico, perdoem
Minha
mãe meus irmãos precisam comer...
(Eu
poderia morrer – sobraria mais comida pra todos eles
Mas,
quem os sustentaria com o canto triste, feito um pardal rueiro?)
Ainda
muito criança de tudo, cantaste nas ruas
Nas
praças; a voz de inicio fraca como uma taquara rachada
Mas
a dor engrossa a voz, afina a alma, tange a tristice. E os sentimentos rompem como um canto da Terra de Guilgamesh
Olhem
meus olhos. São tristes. Olhem minha cara. Tenho cara de pobre? Pois eu sou
pobre.
Minha
infância, meu canto, minha voz soando nos corações, o que diz?
Meus
olhos às vezes ficam marejados quando eu canto.
(As
pessoas não compreendem a dor que eu sinto.
Sou
eu essa voz, essa dor, esse canto.)
Uma
criança canta para a família não morrer de fome.
Não
tenho dinheiro nem para alugar um simples tambor barato que me acompanhe feito
um coração serelepe.
Não
tenho forças nem para bater palmas com o meu cantar
Não
tenho muita força nem para me manter em pé, me sustentar. Sou uma criança...
Mas
é o meu canto que me segura; minha voz sustenta meu corpo fraco
Sou
todo eu, essa voz que vocês ouvem
(Mas
alguns me olham detravessado
Alguns
se repugnam, como se eu fosse uma criança leprosa
Alguns
têm medo da minha tristeza e da minha miséria
Mas
eu sou só uma criança pobre de rua que canta)
Perdoem
meu canto, minha dor de existir; preciso levar algumas moedas para casa
Para
podemos louvar a Deus antes do prato de sopa de pedras
Perdoem
se minhas lágrimas estão nos meus cantos, nas minhas vestes simples, nas minhas
palavras...
Não
posso nem dançar uma dança tribal; eu morreria de cansado, eu não teria forçar
para sobreviver cantando e dançando
Então
eu danço com a voz; perdoem o tambor do meu coração sofrido
Perdoem
se eu sou uma criança com fome que canta
Levem
meu Canto para onde forem. Suas casas, palácios, igrejas e clubes.
E
cantem vossos cantos por mim também, em meu nome, em nome daqueles que vocês
adornam no presépio elétrico...
Todos
os dias as pessoas se afastam da religião e vão em busca de um Deus verdadeiro
Mas
eu tenho fome, e tenho sede – e preciso das migalhas que caem das mesas de
vocês...
Se
vocês puderem me ajudar; seu não tiver atrapalhando o comércio e o lucro de
vocês (e os deuses de vocês - e as guerras de vocês)
Sei
que às vezes para os sábios, a fé remove religião, mas a única religião deveria
ser o amor...
Mas,
o que uma criança pode entender, se não só cantar a sua angústia, a sua
opressão, a sua dor; a dor que lhe deram
E
precisa se sustentar nessa dor para sobreviver
E
levar alguns tostões para casa. E dizer à mãe abandonada; e dizer aos irmãos
humildes e esperançosos: -Eis o meu suor, eis a minha dor, eis o meu sangue...
Comei
e bebei de mim, de minha dor, de meu amor, de minha fé.
E
todos se alimentarão do meu canto em sangue. E do meu amor lavrado de
cantagonias...
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Silas
Correa Leite – Santa Itararé das Artes, Cidade Poema
E-mail:
poesilas@terra.com.br